ser genioso não significa ser genial

8.3.08

os últimos dias tinham cores diversas. difusas entre nesgas de sol que entravam pelos vãos do telhado e escondidas na quase penumbra que engolia os cantos. agora parecia acordar de um sono partido, porém pesado que perdia o tempo recente em um semi-consciência.
teria mesmo acontecido aquela conversa? parecia sonho, mas fazia sentido; por que outra razão teria entrado naquele transe? quanto tempo havia? tentava agora localizar os dias. se lembrava, claramente, da quarta feira: chovia à tarde depois de uma manhã de ar mormacento e grosso. tinha calçado as botas apesar do calor. foi visitar a amiga de peitos novos. lembrava do toque do telefone que, até então, lhe era aprazível. nos dias seguidos, o toque parecia torturante e a levara ao fundo daquele estado de não ser. o barulho se misturava a delírios e palavras desconexas em cenas obscuras. enfim.
o telefone tocara, agora estava certa. era aquela voz feminina. a voz que, anos passados, ainda a torturava em flashbacks que causavam aquele calor ruim, calor de vômito que sobe, mas não vem. a mulher- menina, vinha a saber depois- dizia: sei quem é você. e ele, ah, ele eu conheço muito bem. e essa voz parecia uma gargalhada, apesar de ser estridentemente séria. a gargalhada não vinha da voz, que contava a história trágica. a gargalhada era da mãe, do pai. era de tantos que ela desafiara, tempos atrás. e a gargalhada sem garganta se aproveitava daquela voz, sem traço de riso, para caçoar dela. e, junto com aquelas palavras, e aquele riso sem som, despencavam as verdades que ela, primorosamente, criou. ela nunca chegou a ver um rosto para aquela voz, enquanto a risada teve todos os rostos que ela conheceu. teve até mesmo o rosto dele, que se dizia merecedor de todas as exceções. a voz, mesmo, essa bastou-se.